Sobre as Sombras na Aquarela

Tudo começou com as nuvens.

A ideia surgiu da necessidade de mostrar a evolução de uma pesquisa feita sobre monocromia através da técnica da aquarela e colagem.

Foi à partir do meu olhar nas nuvens que surgiu o "momento sombras na aquarela". Após a escolha do suporte, as imagens começaram a brotar em minha mente de forma aleatória, de modo claro e objetivo, facilitando o desenvolvimento do trabalho. O fundo branco do papel, muitas vezes em destaque, realça as nuances e sobreposições das camadas, contrastando tons claros e escuros, assim como a luminosidade, algumas vezes oscilante, mais ou menos intensa, que brinca, sugerindo formas, movimentos e até mesmo sensações, destacando as características da aquarela aliada à colagem.

As inúmeras possibilidades que o tema oferece, associadas à técnica, tráz como resultado a simplicidade da proposta que, destacando a cor pura, em contraste com o papel, evidencia um grande prazer em criar.

Aline Hannun

6 de setembro de 2012



Itaú Cultural e Lygia Clark apresentam grande retrospectiva paulistana.


Além de trabalhos consagrados da artista, a retrospectiva também trará obras inéditas e reproduções.
 
Lygia Clark injetou vida na obra de arte ao tirar suas peças da parede e fazer tudo se desdobrar no espaço, trepar pelos cantos até desabrochar no corpo em suas propostas sensoriais.
 
Alçada ao posto de musa do neoconcretismo, Clark, consagrada no circuito global e com mostra marcada para 2014 no MoMA, em Nova York, tem no mês de setembro uma grande retrospectiva no Itaú Cultural, uma das maiores exposições entre as paralelas à Bienal de São Paulo.
 
Na mostra, são apresentadas pinturas da artista feitas em Paris nos anos 1950, ainda com a influência do cubismo, aos poucos dão lugar à redução cromática das telas que fez no retorno ao Brasil, quadrados negros separados de outros quadrados negros por um corte na superfície.
 

 
Lygia Clark
 
"Ela domina a pintura, com uma visão de cor muito rica", diz Paulo Sérgio Duarte, um dos curadores da mostra. "Mas quando ela faz essa redução, uma radicalização cromática, passa a repensar a pintura como um todo."
 

 
Lygia Clark 5
 
Lygia Clark - nas artes visuáis - foi um nome central na transição do moderno para a arte contemporânea. No lugar do quadro estático, inaugurou uma presença física no espaço, peças que se descolam da parede, sem moldura.

"Na verdade, o que eu queria era expressar o espaço em si mesmo e não compor dentro dele", escreveu a artista. "A superfície bidimensional, na qual o trabalho precisa ser criado, só adquire significado quando é em si mesmo a expressão do espaço."
 

 
Lygia Clark 2
 
Também na escultura. Clark desdobra seus ângulos e arestas no Casulo, chapas de metal dobrado ainda presas à parede, e depois no Bicho, série que se multiplicou numa fauna pontiaguda.

"Ele tem afinidade com o caramujo e a concha. É um organismo vivo, uma obra atuante." Lygia Clark descreveu assim o Bicho, a escultura metálica articulada, que toma feições distintas quando manipulada.
 

 
Bichos - Lygia Clark - 1960
 
Mais tarde, suavizou as linhas no Trepante, formas metálicas em espiral, e na Obra Mole, peças de borracha que serpenteiam pelo espaço e ao redor do corpo.  
 

 
Trepante - Lygia Clark 1965
 
Na sequência, Clark criou uma série de performance art, com o público dentro da obra, entre elas um túnel de tecido a ser atravessado pelo visitante.
 
O conjunto mostra a forma coerente pela qual o trabalho de Lygia se desenvolveu, numa abordagem cada vez mais completa dos sentidos e num envolvimento crescente do público. Logo no primeiro dos três andares pelos quais as obras estão dispostas, estará  A Casa É O Corpo, instalação de oito metros que convida os visitantes a percorrê-la e remete às experiências da penetração, ovulação, germinação e nascimento. No mesmo andar, pinturas das décadas de 1940 e 1950, no começo da carreira da artista. 
 
A série Bichos lhe rendeu o prêmio de melhor escultura nacional na VI Bienal de São Paulo. Na exposição, estarão presentes tanto originais quanto réplicas à disposição dos visitantes.
 
No dia 15 de setembro, Jards Macalé, que foi amigo de Lygia, realiza um show no Auditório Ibirapuera em homenagem à artista e lançamento do CD “Jards” – também sob os cuidados do Itaú Cultural.
 
Onde: Av. Paulista, 149, SP, (próximo à estação Brigadeiro do metrô), tel (11) 2168-1776
Quando: de 1/09 às 12h até 11/11, de 3ª a 6ª das 9h às 20h, sáb e dom das 11h às 20h.
Entrada gratuíta
www.itaucultural.org.br

 
Curiosidades sobre Lygia Clark
 
A artista plástica mineira Lygia Clark, nascida em Belo Horizonte em 1920, numa tradicional família mineira, esqueceu tudo o que aprendera no colégio de freiras Sacre-Coeur depois que resolveu virar pintora, em 1947. Naquele ano, mudou-se para o Rio, decidida a estudar pintura com Roberto Burle Marx. Até juntar-se ao amigo e também artista plástico Hélio Oiticica, na década de 50, não ousava em sua arte. Com Oiticica, entretanto, aventurou-se em grupos de vanguarda como o Frente, de Ivan Serpa, e os neoconcretos, que incluíam o poeta Ferreira Gullar.
 
"Detesto ler, gosto mais é de encher a cara e jogar biriba", dizia Lygia. Definitivamente, não era uma mulher como as outras de seu tempo. Casou virgem aos 18 anos, com o engenheiro Aloisio Ribeiro, e foi mãe de três filhos. Mas o tempo passou e Lygia foi se dedicando cada vez mais ao trabalho, até que foi devidamente recompensada, nos anos 60, quando ganhou reconhecimento internacional. Não como pintora, é verdade, mas por suas experiências terapêuticas.
 
Clark acreditava que arte e terapia psicológica andavam de mãos dadas. Tanto que, com base em objetos manuseáveis que criava ou recolhia da natureza, como balões de ar, sacos de terra, água e até pedras, pensava ter o dom de curar os males da alma. Certa feita, uma aluna entrou em transe profundo e caiu desmaiada, durante uma das sessões da arteterapia de Lygia, na Sorbonne, em Paris, na década de 70. Dando graças a Deus que não era nada grave, a artista explicou que a jovem não tinha o preparo psicológico necessário para suportar os exercícios de sensibilização e relaxamentos, que "liberavam os conteúdos reprimidos e a imaginação" dos alunos.
 
Aqueles instrumentos, que nas mãos de Lygia assumiam poderes imprevisíveis, eram chamados por ela de Objetos Sensoriais. Tais objetos nunca foram vistos por bons olhos por psicanalistas franceses e brasileiros, porque ela não tinha formação acadêmica na área. Lygia, por sua vez, não deixava ninguém sem resposta. Comprava briga com qualquer um que ousasse falar mal de seu trabalho, que tinha por trás conceitos dos mais sofisticados, elaborados por ela mesma.

Corajosos eram os que se atreviam a frequentar suas sessões de arteterapia na década de 70. Segundo Lygia, seu método para a "liberação dos conteúdos reprimidos" era tão eficiente que homossexuais viravam heterossexuais e vice-versa. Nessa mesma época, Clark rejeitou o rótulo de artista e exigiu ser chamada de "propositora". Deu aulas na Sorbonne, de 1972 a 1977, e voltou ao Brasil em 1978 para dar consultas particulares. Dez anos depois, morreu de parada cardíaca. Estava com 68 anos e deixou uma legião de seguidores que não se cansam de reinventar sua arte.

"Penso que o meu caminhar é maravilhoso, pois agora já não sei o que vem antes, se é a arte em forma de proposições ou a vida que, de repente, se despenca dentro de mim e me traz esse estado de supersensibilidade!". Lygia Clark, 1970.


 

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