Mostra que introduziu Duchamp nos EUA e deslocou eixo das artes completa cem anos
Em 1913 a Exibição Internacional de Arte Moderna eletrizou Manhattan e entrou para a história como Armory Show, por ter acontecido num depósito militar da rua 26 com a avenida Lexington.
Numa Nova York ainda provinciana, onde mulheres marchavam pelo direito ao voto, a vanguarda europeia causou certa indigestão intelectual.
Quando a mostra foi a Chicago, estudantes de arte quiseram queimar uma efígie de Matisse e atearam fogo em réplicas de suas obras.
Muitos tacharam de primitivo o artista, que teria errado ao pintar dedos a mais ou a menos nos pés da modelo que se exibia nua na tela.
Mudança de eixo
Duchamp, que quatro anos depois causaria novo escândalo com seu urinol em Nova York, fazia ali sua estreia na cidade que se tornou, com o Armory Show, o centro cultural do mundo, desbancando Paris, então farol das artes.
Urinol - Marcel Duchamp
"Isso tudo aconteceu no mesmo lugar, debaixo do mesmo teto", conta a historiadora americana Laurette McCarthy. "Embora a classe artística já conhecesse parte dessa produção, milhares de nova-iorquinos foram à exposição como a um evento social, curiosos pelo teor das críticas nos jornais."
Gail Stavitsky, outra historiadora que organiza com McCarthy uma mostra em homenagem ao centenário do Armory Show, sustenta, aliás, que a crítica de arte nos Estados Unidos surgiu com as reações acaloradas à mostra.
"Esse foi o nascimento da crítica de arte americana", diz Stavitsky. "Houve uma explosão do pensamento crítico, os jornais passaram a publicar resenhas de exposições quase todos os dias. Isso ajuda a derrubar o mito de que a América era um deserto intelectual até a o surgimento do expressionismo abstrato."
Nesse ponto, o movimento artístico que pôs Nova York no mapa algumas décadas mais tarde, com os arroubos agressivos de Jackson Pollock, também teve seu embrião no choque causado pela avalanche das vanguardas europeias do Armory Show.
"Até então, as cores na arte americana eram quase mortas", analisa Marilyn Kushner, da Sociedade Histórica de Nova York. "Aquele azul do Matisse e as cores vibrantes dos fovistas foram um assalto aos sentidos."
Kushner lembra também que, além das cores, as proporções distorcidas das figuras nas telas e a economia formal das obras de Brancusi causaram grande espanto.
Colecionismo
No afã por entrar na moda, a aristocracia americana arrematou grande parte das peças. Único dos grandes museus da cidade que já existia em 1913, o Metropolitan comprou o seu primeiro Cézanne.
Edward Hopper, então longe da fama que conquistaria mais tarde, vendeu sua primeira pintura, Sailing, em que retratou um veleiro.
"Grandes coleções de arte começaram com o Armory Show", conta Stavitsky. Tanto que uma feira de arte que ocorre até hoje na metrópole americana leva o nome da mostra. "Foi o ponto de partida para o levante das galeriasde arte."
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