Sobre as Sombras na Aquarela

Tudo começou com as nuvens.

A ideia surgiu da necessidade de mostrar a evolução de uma pesquisa feita sobre monocromia através da técnica da aquarela e colagem.

Foi à partir do meu olhar nas nuvens que surgiu o "momento sombras na aquarela". Após a escolha do suporte, as imagens começaram a brotar em minha mente de forma aleatória, de modo claro e objetivo, facilitando o desenvolvimento do trabalho. O fundo branco do papel, muitas vezes em destaque, realça as nuances e sobreposições das camadas, contrastando tons claros e escuros, assim como a luminosidade, algumas vezes oscilante, mais ou menos intensa, que brinca, sugerindo formas, movimentos e até mesmo sensações, destacando as características da aquarela aliada à colagem.

As inúmeras possibilidades que o tema oferece, associadas à técnica, tráz como resultado a simplicidade da proposta que, destacando a cor pura, em contraste com o papel, evidencia um grande prazer em criar.

Aline Hannun

23 de julho de 2013

Tomie Ohtake relembra seis décadas de carreira



1952-1954. No início de sua carreira, por dois anos Tomie realizou pinturas figurativas influenciada por artistas japoneses radicados em São Paulo que ficaram conhecidos como grupo Seibi.

Perto de completar 100 anos, Tomie Ohtake relembra seis décadas de carreira.

Aos 99 anos, completados em 21 de novembro, Tomie Ohtake continua trabalhando três vezes por semana das dez da manhã até o final da tarde. Em seu estúdio de estilo modernista construído há 44 anos pelo filho, o arquiteto Ruy Ohtake, 75, o visitante tem a impressão de estar entrando em uma capela zen. Não existem capelas desse tipo, nem mesmo o zen é uma religião. Mas há um certo misticismo no ar, aquele que a arte libera na casa de alguns artistas.

A casa ateliê de Tomie fica numa rua discreta do Campo Belo, na zona sul de São Paulo. É feita de concreto, e o cinza do material é perfeito para receber, por contraste, as cores do mundo da artista (que ganha, a partir de 6 de fevereiro, a primeira das três exposições do Instituto Tomie Ohtake para comemorar seu centenário).
 
Tudo lá dentro merece um minuto de contemplação: os 40 anos da construção estão conservados nas paredes e nos móveis, nas cadeiras de design avançado do italiano Harry Bertoia, nos vasos redondos da ceramista nipo-brasileira Kimi Nii, nos retratos em que Tomie aparece jovem, moderna, alegre, ao lado de Pietro Maria Bardi, nos arquivos em aço, cor de mostarda, da tradicional marca Fiel, na parede sinuosa de mosaico azul que percorre o jardim interior. Ruy caprichou.


Ateliê Tomie Ohtake
 

O mais bonito de tudo é o seu ateliê, com uma claraboia de vidro em forma de dirigível alcança a proeza de iluminar o interior com mais intensidade do que o sol que brilha lá fora.


Tomie possui um estilo corporal inconfundível. Com seus cabelos até o pescoço pintado de preto. Os óculos de aro preto. O relógio de pulso minimalista, sem ponteiros, de pulseira preta. A roupa, na maioria das vezes preta.


 

Há mais de 30 anos, ela alterna o preto e o branco no guarda-roupa, deixando as cores para os seus quadros. É uma mulher muito elegante no seu minimalismo. "É mais fácil na hora de escolher", ela diz, simplificando. "Não precisa ficar pensando. E a camiseta Hering é boa para trabalhar." Após 76 anos no Brasil, Tomie ainda fala um português carregado de sotaque japonês.

AZUL

Seus novos trabalhos ainda não podem ser fotografados porque eles ainda são uma obra em progresso. São oito telas azuis de tamanhos variados. "Não dou nome às obras. Prefiro que a pessoa interprete. É um tipo de pensamento puro." Mas ela tem o conceito.

  

"Eu estava procurando profundidade nesses aí, uma transparência. Queria saber como é a luz que vem de trás." Ela acrescenta que esses quadros novos em folha não são só azuis. "Misturei com um pouco de roxo. Com o roxo, fica mais quente." E não há preto neles.
 
 

Os críticos dizem que a pincelada é a chave dos seus quadros. Para quem não é do ramo, mas aprecia a arte japonesa, seus gestos parecem ter achado um caminho entre as formas de teatro nô e kabuki.

Outras quatro telas, verdes, amarelas e azuis, em tamanhos variados, grandes e pequenas estão expostas em seu ateliê. Vistas de muito perto, não oferecem as relevâncias características do óleo, pois são feitas em tinta acrílica. Tomie abandonou o óleo e as aquarelas do começo da carreira.

A vida de artista só começou por volta dos 40 anos, em 1952. Até então, Tomie havia se dedicado à criação dos filhos. Ela aportou no Brasil em 1936, vinda de Kyoto, onde nasceu, para passar um ano com um de seus quatro irmãos (é a caçula e a única mulher).

O que era para durar um ano vingou para sempre, Tomie se apaixonou por um amigo do irmão, o engenheiro-agrônomo japonês Ushio Ohtake, acabou se casando e ficando por aqui.

"Ele era bonito. Meu filho Ruy, quando jovem, tinha a cara dele." O casamento durou até a morte de Ushio, em 1976.

SIMPLICIDADE

Já a pintura ficou adormecida até o início dos anos 1950, quando ela levou uma dura do artista plástico japonês Keiya Sugano, de passagem pelo Brasil.

Tomie havia estudado pintura apenas como parte do currículo escolar. Mas, ao descobrir que ela tinha talento e vontade, Keiya disse: "Começa agora, hoje mesmo! Criança cresce sozinha".

E foi o que fez, retomando as aquarelas do tempo de menina e, depois, passando para as coisas mais abstratas.

Isso sem nunca deixar de prestar atenção à criação dos filhos. Morando na Mooca, na zona leste de SP, Tomie integrou os meninos de forma surpreendente. "É um país de católicos? Pois meus filhos serão católicos", determinou.

Talvez sua religião seja a simplicidade: nas cores, nas curvas e círculos que sua arte revela, nas roupas que usa, até mesmo no ateliê, espetáculo à parte, que ela chama de "bagunça". Mas que está mais próximo de um cômodo japonês, onde tudo parece em ordem, com objetos organizados por afinidade (insetos feitos de chumbo, livros de arte do escultor contemporâneo Richard Serra e do pintor russo naturalizado americano Mark e vasos com formas que lembram pinturas do italiano Giorgio Morandi, etc.).

"MAMMA" JAPONESA

Artista das cores, Tomie não tem nenhuma favorita, embora o vermelho, o azul e o amarelo predominem. "Todas as cores são bonitas, mas elas ficam ainda mais bonitas quando combinadas. Um azul forte com um azul mais fraco, por exemplo."


 

Quem ajuda na trabalheira do estúdio é outro artista, o japonês Futoshi Yoshizawa, de Saitana, uma província de Tóquio. Futoshi, 48, já auxilia Tomie há 14 anos. "Ele sofre", ela conta, pois é uma mulher exigente. Ela explica para ele a força e a leveza necessárias para uma pincelada de Tomie Ohtake. Isso porque, em alguns quadros maiores, é ele quem efetivamente maneja o pincel, sob as ordens da pintora.


 

Se não tivesse nascido japonesa, Tomie poderia muito bem ter sido uma "mamma" italiana. A Mooca lhe deu os primeiros amigos, o gosto pelas massas ("Adoro macarrão!") e a mania de juntar toda a família em torno da mesa aos domingos.

Ela gosta de dizer que morava numa casa abstrata, em Kyoto, de tão simples. De lá, ela trouxe essa marca, mas foi aqui que fez os grandes amigos - e eles são muitos.

Na parede de sua sala convivem, na mais absoluta harmonia, obras de Yoko Ono dedicadas a ela e outras de pessoas bem menos conhecidas, mas não menos queridas.

Há também uma camisa número nove da seleção, com o nome de Tomie, presente gaiato do amigo Ayao Okamoto, professor da PUC.

A artista acredita que o trabalho permanente pode explicar sua longa vida. "Além da família e dos amigos", completa ela, "nesta casa, que é o melhor lugar do mundo".



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