Aos 99 anos, completados em 21 de novembro, Tomie Ohtake continua trabalhando três vezes por semana das dez da manhã até o final da tarde. Em seu estúdio de estilo modernista construído há 44 anos pelo filho, o arquiteto Ruy Ohtake, 75, o visitante tem a impressão de estar entrando em uma capela zen. Não existem capelas desse tipo, nem mesmo o zen é uma religião. Mas há um certo misticismo no ar, aquele que a arte libera na casa de alguns artistas.
A casa ateliê de Tomie fica numa rua discreta do Campo Belo, na zona sul de São Paulo. É feita de concreto, e o cinza do material é perfeito para receber, por contraste, as cores do mundo da artista (que ganha, a partir de 6 de fevereiro, a primeira das três exposições do Instituto Tomie Ohtake para comemorar seu centenário).
AZUL
Seus novos trabalhos ainda não podem ser fotografados porque eles ainda são uma obra em progresso. São oito telas azuis de tamanhos variados. "Não dou nome às obras. Prefiro que a pessoa interprete. É um tipo de pensamento puro." Mas ela tem o conceito.
Outras quatro telas, verdes, amarelas e azuis, em tamanhos variados, grandes e pequenas estão expostas em seu ateliê. Vistas de muito perto, não oferecem as relevâncias características do óleo, pois são feitas em tinta acrílica. Tomie abandonou o óleo e as aquarelas do começo da carreira.
A vida de artista só começou por volta dos 40 anos, em 1952. Até então, Tomie havia se dedicado à criação dos filhos. Ela aportou no Brasil em 1936, vinda de Kyoto, onde nasceu, para passar um ano com um de seus quatro irmãos (é a caçula e a única mulher).
O que era para durar um ano vingou para sempre, Tomie se apaixonou por um amigo do irmão, o engenheiro-agrônomo japonês Ushio Ohtake, acabou se casando e ficando por aqui.
"Ele era bonito. Meu filho Ruy, quando jovem, tinha a cara dele." O casamento durou até a morte de Ushio, em 1976.
SIMPLICIDADE
Já a pintura ficou adormecida até o início dos anos 1950, quando ela levou uma dura do artista plástico japonês Keiya Sugano, de passagem pelo Brasil.
Tomie havia estudado pintura apenas como parte do currículo escolar. Mas, ao descobrir que ela tinha talento e vontade, Keiya disse: "Começa agora, hoje mesmo! Criança cresce sozinha".
E foi o que fez, retomando as aquarelas do tempo de menina e, depois, passando para as coisas mais abstratas.
Isso sem nunca deixar de prestar atenção à criação dos filhos. Morando na Mooca, na zona leste de SP, Tomie integrou os meninos de forma surpreendente. "É um país de católicos? Pois meus filhos serão católicos", determinou.
Talvez sua religião seja a simplicidade: nas cores, nas curvas e círculos que sua arte revela, nas roupas que usa, até mesmo no ateliê, espetáculo à parte, que ela chama de "bagunça". Mas que está mais próximo de um cômodo japonês, onde tudo parece em ordem, com objetos organizados por afinidade (insetos feitos de chumbo, livros de arte do escultor contemporâneo Richard Serra e do pintor russo naturalizado americano Mark e vasos com formas que lembram pinturas do italiano Giorgio Morandi, etc.).
"MAMMA" JAPONESA
Artista das cores, Tomie não tem nenhuma favorita, embora o vermelho, o azul e o amarelo predominem. "Todas as cores são bonitas, mas elas ficam ainda mais bonitas quando combinadas. Um azul forte com um azul mais fraco, por exemplo."
Ela gosta de dizer que morava numa casa abstrata, em Kyoto, de tão simples. De lá, ela trouxe essa marca, mas foi aqui que fez os grandes amigos - e eles são muitos.
Na parede de sua sala convivem, na mais absoluta harmonia, obras de Yoko Ono dedicadas a ela e outras de pessoas bem menos conhecidas, mas não menos queridas.
Há também uma camisa número nove da seleção, com o nome de Tomie, presente gaiato do amigo Ayao Okamoto, professor da PUC.
A artista acredita que o trabalho permanente pode explicar sua longa vida. "Além da família e dos amigos", completa ela, "nesta casa, que é o melhor lugar do mundo".
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