Sobre as Sombras na Aquarela

Tudo começou com as nuvens.

A ideia surgiu da necessidade de mostrar a evolução de uma pesquisa feita sobre monocromia através da técnica da aquarela e colagem.

Foi à partir do meu olhar nas nuvens que surgiu o "momento sombras na aquarela". Após a escolha do suporte, as imagens começaram a brotar em minha mente de forma aleatória, de modo claro e objetivo, facilitando o desenvolvimento do trabalho. O fundo branco do papel, muitas vezes em destaque, realça as nuances e sobreposições das camadas, contrastando tons claros e escuros, assim como a luminosidade, algumas vezes oscilante, mais ou menos intensa, que brinca, sugerindo formas, movimentos e até mesmo sensações, destacando as características da aquarela aliada à colagem.

As inúmeras possibilidades que o tema oferece, associadas à técnica, tráz como resultado a simplicidade da proposta que, destacando a cor pura, em contraste com o papel, evidencia um grande prazer em criar.

Aline Hannun

8 de maio de 2013

Instituto Moreira Salles apresenta Raphael Domingues e Emygdio de Barros


Raphael Domingues

Mostra no Instituto Moreira Salles vê modernidade de esquizofrênicos

Lá fora a arte moderna rugia, e também lá dentro. Na virada dos anos 1940 para os 1950, enquanto o movimento concreto se firmava e o abstracionismo ganhava terreno, dois internos do Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, no Rio, sofriam os ecos da revolução.

Raphael Domingues e Emygdio de Barros, que agora têm uma mostra no Instituto Moreira Salles, já tinham inclinação para as artes visuais antes de serem diagnosticados como esquizofrênicos e levados ao hospital comandado por Nise da Silveira.

No lugar do choque elétrico, a psiquiatra desenvolveu terapias alternativas, como um ateliê de arte. Era sua tentativa de encontrar nos desenhos e pinturas dos internos chaves para entender um estado psíquico conturbado.

"Ela buscava a projeção de imagens do inconsciente", diz Rodrigo Naves, um dos curadores da mostra. "É como se o inconsciente, com todos os seus arquétipos, fosse projetado para fora nessas telas."

Mais do que isso. Almir Mavignier, artista que trabalhou no ateliê como assistente de Silveira, identificou já nos anos 1940 a modernidade do traço nos desenhos de Domingues e a intensidade da cor nos trabalhos de Barros.

Raphael Domingues

Enquanto o primeiro se expressava com desenhos de traço simples, sempre em preto e branco, o segundo carregava nas tintas reagindo ao que Naves chama de "relação estridente com o mundo".

Emygdios de Barros

Quase autista, Domingues, que morreu em 1979, não falava e passava o tempo todo fazendo risquinhos indecifráveis em folhas de papel. Quando Mavignier começou a levar pessoas e objetos para que ele retratasse, acabou desencadeando todo um universo visual em sua obra.

"Ele tem essa sinuosidade da linha e uma continuidade do traço muito forte", diz Heloísa Espada, também curadora da mostra, sobre o trabalho de Domingues. "São desenhos feitos de um só fôlego, com grande equilíbrio e domínio do espaço. Têm uma memória das formas."


No caso, essa memória instantânea dos contornos permitia ao autor estabelecer um "vínculo com o mundo real", nas palavras de Espada. Pintura de Emygdio de Barros que está exposta no Instituto Moreira Salles, em São Paulo

Mundo estilhaçado


Tanto Raphael Domingues quanto Emygdio de Barros, foram comparados a Matisse pela maleabilidade do traço e pela intensidade das cores. Mas, no caso de Barros, morto em 1986, há uma espécie de obsessão em retratar muito de perto os objetos, anulando a distância entre mundo e observador.

Emygdio de Barros

Muitas vezes, some o espaço ao redor e a tela retrata só seu objeto principal, que ocupa todo o quadro, quase transbordando dele.


Emygdio de Barros

"Em Matisse, há um estilhaçamento do mundo, um confronto que tenta reestruturar o espaço", diz Naves. "Aqui a questão é outra, é uma abordagem do mundo sem perspectiva, sem claro-escuro. Barros é moderno por prescindir disso de uma maneira radical." 

Serviço

RAPHAEL E EMYGDIO

ONDE:
Instituto Moreira Salles, R. Piauí, 844, tel. 3825-2560

QUANDO: de terça a sexta, das 13h às 19h; sábado e domingo, das 13h às 18h; até 7 de julho

QUANTO: grátis

Um comentário:


  1. Adorei essa matéria.Nise da Silveira foi inovadora no tratamento da esquizofrenia e tenho uma amiga, uma senhora , que trabalhou com ela, na Casa das Palmeiras, aqui no Rio.
    O autista tem um mundo muito particular e, realmente, o exterior nào faz parte de sua realidade, por isso a falta de perspectiva nessas obras. Existem graus diferentes e síndromes diversas,dentro desse expectro. Eu tenho um aluno autista e ele é bastante inteligente, mas, infelizmente, são muito poucas escolas preparadas para lidar com esse tipo de aluno e, assim, muita coisa boa se perde.

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